Martial Industrial – O militarismo industrial revivendo as raízes do povo europeu

Uma coisa é certa: o teor militar faz parte da cultura do povo europeu e toda a arte que faz referência a isso sempre vai mexer no passado guerreiro de boa parte do velho continente. Tanto que é muito comum bandas que adotem uma temática visual ligado ao exército sempre chamam a atenção, como acontece com alguns grupos de rock/metal industrial (Deathstars, Laibach, Rammstein, KMFDM etc.) por justamente evocarem, por meio da imagem, o passado que para nós não parece tão glorioso.

A música acompanhou isso, até por conta das marchas e até mesmo composições eruditas voltadas ao tema. Compositores como Joseph Haydn, Wolfgang Amadeus Mozart e Ludwig van Beethoven fizeram peças baseadas nas feitas pelo Império Otomano[1] no século XVI. Os estadunidenses igualmente gostam desse tipo de música, uma vez que ela ressalta sempre ideais de força e poder, além de motivar tropas e soldados.

O industrial surgiu em meados dos anos 80, com a banda Throbbing Gristle, que abraçava diversas imagens e filosofias contraculturais, como o ocultismo e até mesmo o militarismo. Músicas como Zyclon B Zombie e a Discipline usam de humor negro para falar de temas controversos. Tanto que até hoje a banda é polêmica em todos os sentidos.

Só que quando o estilo criado por Genesis P-Orridge se transformou em outros. O que era controverso ficou facetado e multiplicado por uma série de estilos, alguns menos populares, como o Noise e o Power Electronics e outros muito populares, como o EBM e o Power Noise. Todos eles trabalharam algum aspecto que inicialmente era contracultural e polêmico, sendo que alguns levaram isso a extremos. Dentro desses estilos surgiu o neofolk, que era voltado ao paganismo e a tradição da antiga Europa. Dele veio um estilo que, mesmo carecendo de uma identidade concreta, ainda sim se firmou como um dos grandes nomes do post-industrial: o Martial Industrial, também conhecido como Military Pop.

Origens: Música marcial e neofolk

A música com propósitos militares existe há séculos na história da humanidade. Seu objetivo era levantar o espírito de combate dos soldados, reforçar a união e a disciplina e também, em alguns casos, intimidar o inimigo.

Constitui um gênero que possui evolução própria, com canções que evocam os hinos nacionais e mostram o poder do homem perante o seu adversário. Tem como instrumentos predominantes a percussão, a gaita de foles e o trompete. Há variantes de músicas que utilizam instrumentos de fanfarra, chifres e outros, mas a base é essa.

Dentro do contexto pós-industrial o neofolk se pautou em ser, num primeiro momento, anti-política e anti-cristianismo, usando elementos tirados do folclore pagão europeu, do nazismo (numa espécie de redescoberta da simbologia expressa por meio dos ícones usados em uniformes, sem fazer uma apologia ao regime) e até mesmo com base em escritores como Julius Evola[2] (que tem uma obra calcada no neopaganismo e que é de extrema importância para muitos grupos, como o Sol Invictus). O filósofo italiano se baseia em aspectos do fascismo para justificar a derrubada do cristianismo da sociedade moderna (mesmo ele sendo contrário ao regime, tendo vivido durante sua vigência na Itália da Segunda Guerra Mundial). Ele possuía um tom totalmente antimodernismo, cuja influência de Rudolf Steiner[3] e das teorias teosóficas[4] fez com que ele começasse o que se convencionou de neofascismo, que fugia do estado estático do fascismo, colocando que a elite deveria voltar aos valores tradicionais da sociedade.

Dentro dessas teorias vão surgir diversas divisões dentro do neofolk. Uma delas, o Apocalyptic folk, vai abandonar o lado folclórico para seguir uma linha mais esotérica. Tem como grande nome o Current 93, cujo nome remete à “Corrente 93” da cabala. Outra é a do Dark Folk ou Folk Noir, juntando elementos de darkwave, folk rock e outros, criando um som mais sombrio e menos experimental, possível de ver em bandas como o Sol Invictus, Lihollesie, Elizabeth Anka Vajagic, Ô Paradis etc. Entretanto, o termo não costuma ser levado muito a sério, uma vez que ele acaba caindo quase sempre em bandas que são colocadas como neofolk na maior parte dos sites e o termo dark é para colocar sem os elementos presentes no Death in June e no Spiritual Front, por exemplo.

Só que outro grupo mudaria os rumos de tudo isso, retornando ao que o post-industrial, de fato, deveria ser...

O termo Military Pop e o Martial Industrial

Gerhard Petak, criador do projeto austríaco de um homem só Allerseelen e participante do projeto de ritual industrial Zero Kama, certa vez definiu que a sonoridade do seu projeto solo estava mais próxima do som ambiente e das influências da música militar. Daí cunhou o termo military pop, que para algumas revistas e sites passou a ser também chamado de Martial Industrial, uma vez que guardava muitas semelhanças com a sonoridade experimental.

Allerseelen significa “Todas as almas” em alemão e tem como influências os pensamentos de Friedrich Nietzsche, Ernst Jünger[5], Carl Jung e Julius Evola. Isso torna o projeto voltado quase que para uma atmosfera caótica permeada por imagens decadentes do povo europeu, com ideais de reconstrução da identidade europeia.

Grupos como o francês Dernière Volonté passaram a se valer do novo “rótulo”. Esse grupo, inclusive, é muito importante na definição e na consolidação do military pop como estilo. Valendo-se de samples de discursos de guerra, sons ambientes e de processos de colagem sonora, típicos do industrial, ele começava a criar algo diferente. Influenciando outros artistas, esse trabalho tem como enfoque o lado militar do europeu e como ele foi importante dentro da construção da história da nação como ela é hoje.

Um último grupo, o Laibach, também vai contribuir muito com a parte visual e sonora. Seus primeiros discos e letras que não tinha como objetivo o nacionalismo, mas sim o militarismo puro e descontextualizado, que quebrava mais uma barreira e começava a dar mais forma à parte temática do martial industrial.


A ideologia extrema e a simbologia esotérica

A grande dificuldade das pessoas de fora do circuito é entender que não existe, de fato, apologia ao neofascismo ou mesmo ao nazismo nas letras e nas posturas do gênero. Fica difícil explicar como a música We Walked in Line, do grupo alemão Von Thronstahl não faz nenhuma espécie de propaganda ao regime nazista. Então, como as bandas do martial industrial conseguem dizer algo que é contrário a toda parte imagética e temática de suas composições?

Uma primeira coisa é que temos de pensar que esses grupos usam, acima de tudo, da parte simbólica do militarismo. O objetivo é mostrar a decadência da Europa por conta da multi-culturalização e a perda gradativa da identidade. Isso também se aplica aos descendentes diretos destes povos que morem em outros países. É algo que ao mesmo tempo flerta e vai contra os movimentos como o RAC[6] e o White Power[7] uma vez que concordam com a volta de uma pureza cultural e vão contra o racismo, o preconceito e a discriminação. São ao mesmo tempo contra a miscigenação e a superficialização de toda uma história ancestral de lutas e conquistas.

A figura do soldado passa a ser de extrema importância no contexto dessas bandas. É ele quem vai resgatar a Europa da morte certa e fazê-la levantar a um passado glorioso. Grupos como o H.E.R.R. e o Puissance vão colocar igualmente a imagem do soldado e da guerra, além de seus símbolos. Um disco do Puissance que simboliza bem isso é o Hail the Mushroom Cloud, onde o símbolo é uma nuvem de cogumelo atômico.
O lado esotérico aparece pela ideia de Europa mítica, heroica, valente, onde todos os povos que lutaram e prosperaram conseguiram impor a sua força pela vontade. E com a perda desse continente, onde todos se uniriam numa única bandeira, é o tema visual das capas de alguns grupos de neofolk/martial industrial, como por exemplo o Darkwood e o Foresta di Ferro.

Tudo isso, contudo, gerou uma série de problemas. Diversos países proibiram e ainda proíbem apresentações e vendas de discos de grupos cuja temática seja próxima da do martial industrial. Tanto que em certas regiões da Alemanha, por exemplo, é muito fácil encontrar um disco do Rammstein, mas é quase impossível achar alguma coisa do H.E.R.R. ou mesmo do Darkwood;

Sonoridade

Definir exatamente o que é o military pop é complicado. Primeiro, não existe uma unidade muito coesa e as próprias bandas variam enormemente no som. Some isso ao fato de grupos de neofolk também terem discos inteiros nesse estilo.

Talvez a primeira característica seja a percussão. É um traço presente em boa parte dos grupos, como o Triarii, o Arditi, o Rome, entre outros. Entre outras existem o uso do neoclássico (até mesmo pelas influências da música erudita com temática militar), o dark ambient, industrial e o uso de marchas militares, seja como base, seja como elemento da própria composição musical. O uso de melodias folclóricas também acontece, até mesmo por conta do próprio neofolk.

As músicas tendem a se assemelharem a alguma trilha sonora de filme de guerra, com diversos climas atmosféricos e sombrios.

Concluindo

Sim, é muito complicado falar desse ramo do post-industrial. Seja pelas controvérsias de sua parte ideológica, seja pelos elementos muitas vezes mal interpretados ou até mesmo pelo lado controverso adotado como postura, o importante é perceber o quanto esse estilo ainda precisa de uma desmitificação e de maior compreensão para que possa, quem sabe, ser apreciado.



1 Foi um Estado que existiu entre 1299 e 1922 e que no seu auge compreendia a Anatólia, o Médio Oriente, parte do norte de África e do sudeste europeu. Foi estabelecido por uma tribo de turcos oguzes no oeste da Anatólia e era governado pela dinastia Osmanl?. Era por vezes referida em círculos diplomáticos como a da "Sublime Porta" ou simplesmente como "a Porta", devido à cerimônia de acolhimento com que o sultão agraciava os embaixadores à entrada do palácio.
2 Julius Evola (Roma, 19 de maio de 1898 - 11 de maio de 1974), cujo verdadeiro nome era Giulio Cesare Evola, foi um filósofo italiano do século XX, em cuja obra neopagã se têm inspirado várias organismos e correntes políticas do fascismo.
3 Rudolf Steiner (Kraljevec, fronteira austro-húngara, 27 de Fevereiro de 1861 — Dornach, Suíça, 30 de Março de 1925) foi filósofo, educador, artista e esoterista. Foi fundador da Antroposofia, da Pedagogia Waldorf, da agricultura biodinâmica, da medicina antroposófica e da Euritimia, está última criada em conjunto com a colaboração de sua esposa, Marie Steiner-von Sivers.
Pode-se resumir a Antroposofia de Steiner como um modo de alcance de um conhecimento supra-sensível da realidade do mundo e do destino humano. Mas, o conteúdo desse resumo é complexo e remete a um estudo de extremas profundidade e disciplina, aliadas a um método de exercícios metódicos precisos, com o intuito de revelar no homem o divino que neste reside adormecido. A Antroposofia, o corpo de conceitos derivados da Ciência Espiritual, coloca o Antrophós (Homem) como participante efetivo do mundo espiritual através de seus corpos superiores, tornando assim evidente no mesmo o conceito do Theós (Deus).
4 Teosofia: 1. Filos. Conjunto de doutrinas religioso-filosóficas que têm por objeto a união do homem com a divindade, mediante a elevação progressiva do espírito até à iluminação. 2. Rel. Doutrina espiritualista iniciada por Helena Petrovna Blavatsk (1831-1891), mística russa, ligada ao budismo e ao lamaísmo.
5 Filósofo alemão cuja obra sempre fez fortes críticas ao regime nazista.
6 RAC (Rock Against Communism ou RACionalism) significa Rock Contra o Comunismo e é um movimento musical que contem letras de ideologia política que, apesar de seu nome confrontar-se diretamente ao comunismo, as suas musicas raramente são focadas no mesmo. O conteúdo das letras do RAC expressa assuntos como nacionalismo, neonazismo e temas contra o sionismo e quem as aprecia são normalmente são pessoas com princípios do Nacional Socialismo, não se tratando de uma regra geral. O RAC é compreendido em sua principal parte, em estilos musicais semelhantes a oi!, punk rock, metal, southern rock, rock and roll entre outros. Uma das bandas que se tornaram marco dentro da história do RAC foi Skrewdriver, formada em 1977 na Inglaterra, por Ian Stuart Donaldson. O motivo por ela ter despertado tanta atenção foi o fato de suas letras serem escritas com um teor fortemente conservador, referindo-se diretamente ao Nacional Socialismo. Suas músicas foram tão reconhecidas no meio Neonazista que mereceram bandas quase que exclusivamente dedicam-se a seu tributo, como a banda sueca Saga.
7 White Power ("poder branco" em inglês) é um slogan político que descreve a ideologia daqueles que apóiam diferentes níveis de nacionalismo branco-separatista, onde a gestão política das pessoas brancas seria feita por pessoas também brancas.
White Power foi uma frase política cunhada pelo líder do Partido Nazista Americano, George Lincoln Rockwell, em um debate com o pantera negra Stokley Carmichael, que fez um chamado para um "poder negro" (Black Power). White Power se tornou o nome do jornal do partido e o título de um dos livros de Rockwell. Atualmente muitas facções racistas como suprematistas brancos, separatistas brancos, nacionalistas brancos, cristãos brancos e neonazistas usam o termo White Power.

4 comentários:

Ludmila. disse...

Ótima matéria.
É mesmo bem complicado entender essas vertentes.

Anônimo disse...

O Neo-folk e o Martial Industrial são ótimos estilos musicais, enquanto estética alguns dizem que ele muito se utiliza do chamado "Ur-Fascismo" , ou "fascismo eterno" na linguagem do Umberto Ecco, mas tal utilização acho que é digna, já que na verdade o termo fascista emprego pelo Umberto Ecco é claramente depreciativo, e tal indagação fruto da puro [b]hysteria]/b] liberal pós-guerra frente áos novos movimentos tradicionalistas,neopagãos, e até crypto-volkisch, bom, se formos ver, A Nova Direita, o Tribalismo Pagão, o Nacional-Anarquismo e outras idéias que andam borbulhando no meio em NADA lembram o totalitarismo do século 19, é como chamar Marcuse ou Habermas de Stalinista.

Marcel... disse...

Grande esclarecida!!! Excelente matéria, bem objetiva e explicativa!

Valeu!

Lucius disse...

Muito bom artigo. Certamente o melhor em português que já li.

Postar um comentário

 
©2009 Musicground Podcast - Template Março modified by Snow White