Post-Industrial: a vanguarda da música popular

Um dos assuntos mais complicados que temos, ao definirmos música, é que ela seja ou não popular. Fica difícil imaginar que, por exemplo, tudo derivado do rock seja popular, mesmo com seus fãs imaginando que ser pouco conhecido signifique “não-popular”. E como ter uma vanguarda dentro disto?

Primeiro, vamos colocar as coisas nos eixos. Nem sempre a música erudita vai ser mais complexa que a popular e vice-versa, se usarmos o quesito técnica como comparativo. O que vai definir o caráter popular ou não vai ser, num primeiro momento, o grau de acessibilidade de um determinado som. Claro que falar isso é ser simplista demais, mas fica como um alerta para poder entender como isso funciona. Isso não exime um estilo de pegar técnicas e influências do outro, mas uma composição erudita não vai deixar de ser erudita por se apropriar de alguma coisa da música popular. E o contrário também é válido. Só que, quanto mais acessível se torna alguma coisa, menos próximo do erudito ele se torna, uma vez que vai exigir menos entendimento do seu ouvinte. É por isso que é muito mais fácil gostar de um Black Metal do que de uma opera de Wagner, por exemplo.

A música industrial vai nascer justamente nesse ponto, quando o ser popular significar ser fácil de vender. O rock (e por consequência, o metal) se tornam comerciais e acessíveis, passíveis de reprodutividade. O punk, com seu ideal todo, passa a ser vendido com um estilo de “reação” contra a sociedade. E nesse contexto que Genesis P-Orridge vai tocar.

Com sua gravadora, a Industrial Records, ele vai mostrar ao mundo como era possível usar o erudito dentro do popular e, ainda sim, fazer alguma coisa voltada com o ideal de arte. Enquanto a preocupação de boa parte dos músicos ia para a música tonal e outros gêneros mais acessíveis da música erudita, o fundador da primeira banda de industrial do mundo queria mais. Foi buscar no Modernismo as suas inspirações, em gente como Russolo, em estéticas como a do futurismo e a do fluxus. Com isso tudo, fundou primeiramente o COUM Transmissions, que se valia da “arte transgressora”, indo contra valores morais e sociais, abusava da escatológica e de imagens que chocavam as pessoas. Era a maneira de mostrar ao mundo como fazer um movimento que voltasse o ideal da renovação artística.

Com o Throbbing Gristle, começava uma era onde o importante era inovar. Estar a frente dos outros. Seguidos pelo Monte Cazazza, Cabaret Voltaire, Clock DVA, SPK, Test Dept e até mesmo o Leather Nun, só para citar alguns exemplos. Como consequência, o rótulo “industrial” passou a ser colocado em bandas que vinham da gravadora de Genesis e, consequentemente, a bandas que faziam uma sonoridade baseada em ruídos, música e outros elementos não musicais.

Como consequência, surgem, logo depois, as misturas e os desmembramentos da música industrial. Essas misturas e apropriações vão acabar sendo o que se convencionou como post-industrial. São estilos que se misturaram e geraram coisas novas, coisas que ainda estão em evolução (excetuando dessa lista alguns gêneros que ganharam popularidade) e, acima de tudo, mostraram ao mundo que a vanguarda pode ser mantida dentro desses estilos.


Os gêneros dentro do post-industrial

Aqui eu vou relatar, de forma bem resumida, o que veio depois do industrial.

Dark ambient
Aqui temos uma diferença crucial com relação ao industrial: sai um pouco da densidade de som e entram sons mesclados com o próprio ambiente. O uso de drones, de ruídos ambientes, criando uma certa atmosfera no som, dá vida a esse gênero.

Ele tem uma ligação forte com o industrial, tendo se iniciado com o Coil e seguindo por bandas como Lustmord, Aghast, Zoviet France e Deutsch Nepal (esse, com uma certa ligação com o neofolk).

Electro-industrial
Surge na mesma época que o EBM. Vai ser um ritmo dançante, usando sons mais abrasivos e mais cáusticos que seu irmão. Só que ele vai se apropriar de uma estrutura onde guitarras serão evitadas, dando lugar ainda a um som experimental.

O uso de baterias eletrônicas (que é uma das características do electro) dá corpo a música, que abusa de vocais sintetizados e o pouco emprego de instrumentos de verdade. Tem como precursores os grupos Die Form, Klinik (ainda que esse oscile muito mais entre o EBM e o Electro), Skinny Puppy e Front Line Assembly. Mais tarde se consolidaria com grupos como Android Lust, Velvet Acid Christ e o Leather Strip (que guarda muito do experimental em sua música). Não há o interesse por temas subversivos, mas sim por coisas como filmes de horror, ficção científica e ativismo político. Contudo, esse é um estilo que foi muito deturpado (assim como o EBM) pela assimilação no meio gótico. Vão surgir, dessa leva, bandas que perdem muito do lado industrial e colocam algo muito mais “dançável” por assim dizer.

Electronic body music
O famoso EBM, nasce da fusão do industrial e da música dance. Isso vai resultar num estilo com uma sonoridade bem mais limpa. As temáticas musicais passam a ter um apelo mais militar, contrastando aquele ideal de subversão do industrial.

Surge com o Front 242, que declarou que sua sonoridade era justamente o Electronic body music. Esse termo já foi usado anteriormente pelo Kraftwerk para denominar o álbum “The Man-Machine”.
Esse estilo tem como bandas da chamada “old-school” o Front 242, Nitzer Ebb, Die Krupps (que mais tarde incorporaria sonoridades mais voltadas ao metal), Bigod 20, Orange Sektor, Vomito Negro etc.

Foi mais um gênero que sofreu com a onda gótica e de clubes no mundo todo. As bandas mais novas passaram a incorporar influências de trance, de techno e até mesmo de heavy metal para tornarem seu som mais fácil de ser assimilado. Nessa leva surgiram grupos como Grendel, Suicide Commando, Combichrist e outros. Esses grupos sofrem preconceito dentro da cena EBM, uma vez que se afastam demais da sonoridade original (e alguns dizem que esses grupos, na verdade, não pertencem a este estilo de fato, mas sim soam como uma versão trevosa e metaleira de trance music).


Existe agora uma leva de bandas que tenta resgatar um pouco desse lado mais “old-school” dentro da cena, como os grupos do intitulado Anhalt EBM, que vai buscar elementos dentro do Oi! e de outros estilos para compor algo mais próximo do que fazia o Front 242 e não soar mais como uma música de gótico.

Noise
Aqui vai ser um estilo que é intimamente ligado ao industrial. Enquanto no industrial a música se apropriava dos ruídos, nesse estilo os ruídos, as dissonâncias, as cacofonias, a atonalidade são elementos da própria musica. O uso de colagens, de sons servindo de textura e até mesmo de barulhos extremamente abrasivos tornam esse um dos estilos mais difíceis de serem compreendidos, uma vez que também são parte da música industrial.

Isso vai começar a se definir como um estilo propriamente dito na década de noventa, com grupos que vão levar o experimentalismo do industrial e usar apenas os barulhos como música, provenientes de objetos, de samplers e qualquer coisa que possa gerar barulho.

No Japão isso ganha uma proporção muita grande, dando origem ao Japanoise, introduzido pelo músico Masami Akita, criador do projeto Merzbow. Artistas como Nurse With Wound, Teatro Satanico, NON etc. passarão a ser chamados de noise.

Power noise

Ou rhythmic noise, como é mais conhecido, parte da mistura do noise com diversos elementos de música eletrônica, sobretudo dance, techno e trance. Assim como o EBM, ele se torna muito mais acessível ao grande público, perdendo a parte de inovação e ganhando em ritmo.

Esse estilo ainda não sofreu (muito) com a popularização nas pistas de dança, até por soar ainda um bocado estranho aos ouvidos de algumas pessoas. Ele vai também ser muito influente na concepção do digital hardcore e do speedcore, que levarão o conceito de “não-musicalidade” dentro de seus estilos, mas ainda sim tendo uma certa base rítmica.

Alguns grupos bem proeminentes dentro do estilo (algumas vezes confundidos com EBM) são o Xotox, o Noisuf-X, [x]-Rx, FabrikC etc. Esse estilo tem como base gente que curte o chamado “electro-gótico” e os rivetheads em geral.

Power Electronics

O termo surge quando William Bennett, do Whitehouse, descreveu a música de seu projeto. Esse estilo prima pela distorção exagerada, letras extremamente agressivas e posturas radicais dos membros dos grupos. É altamente elitista, mantendo muito do ideal de contracultura e de experimentação , com grupos que se apropriam do harsh noise, de sonoridades altamente agressivas, tudo isso sempre com muita violência. É o lado mais brutal, agressivo, ácido e subversivo dentro do industrial. Ele envolve muitas facetas políticas, sociais e ideológicas, levando temas como ódio, racismo, preconceito, destruição, sadismo, perversão e, acima de tudo, tudo isso integrado de forma harmoniosa.

É muito comum os integrantes estarem envolvidos com atos de terrorismo, nazismo, intolerância racial e religiosa, crueldade e crimes políticos. É o extremo do extremo, com radicalismo exacerbado. Tudo isso convivendo entre os fãs, que ignoram diferenças em homenagem ao culto dos extremos da degradação social. Tem como expoentes os grupos Whitehouse, Jugend Suitcliff, Genocide Organ, Atrax Morgue, Con-dom, Dytstum Terror e outros.

Neofolk
Esse estilo nasce da fusão do experimentalismo industrial com a música folclórica. Ele junta o som acústico com os experimentos do industrial, dando um ar menos carregado ao gênero.

As temáticas quase sempre vão girar em torno da ancestralidade europeia, sobretudo com relação ao povo do norte. O uso de imagens ligadas ao nazismo e ao militarismo também é recorrente, com grupos como o Death in June e o Current 93 fazendo algo que, para alguns, é considerado apologético.

Dentro dele vão existir diversas correntes, como o Dark Folk, que irá levar um lado mais sombrio ao som, dando um clima mais melancólico, com grupos como o Ritual Front e o Sangre Cavallum. Não pode ser atrelado diretamente ao neofolk, embora guarde boas semelhanças com ele. Tem também o Apocalyptic folk. Esse nome foi dado por David Tibet para descrever uma das fases do Current 93. Esse estilo vai ter um som que foge, em termos de temáticas, da ancestralidade e da simbologia envolvida e vai seguir por caminhos mais voltados ao esoterismo. Isso não se torna uma regra, uma vez que grupos como o Ô Paradis não tem esse lado esotérico. Tem como representante forte dessa vertente o grupo Ordo Rosarius Equilibrium, que também possui uma fase mais experimental. Há também ligações com o dark ambient, com grupos como Neutral.

Martial Industrial

Conhecido por alguns como military pop, é derivado do neofolk e do dark ambient. Incorpora também o neoclássico, como acontece com grupos como o March of Heroes.

É, na maior parte das vezes, um som dark ambient com temáticas militares, com uma percussão que sempre vai lembrar aquela usada em marchas militares. Oscila bastante com o neofolk e é muito comum ambos os estilos se cruzarem numa mesma banda (como acontece com o Von Thronstahl, o The Day of the Trumpet Calls e o Death in June). O Laibach, no começo de sua carreira, também flertou com esse estilo, o que ajudou na concepção de grupos como o Rammstein.

Industrial Rock/Metal
Bem, chegamos ao estilo post-industrial mais famoso e mais acessível de todos. Estão próximos demais um do outro e muitas vezes é difícil saber quando um grupo é de industrial rock e quando ele é de industrial metal. Ambos se baseiam, atualmente, na mistura de rock ou metal com um ruído branco e o uso de instrumentos de música eletrônica, com sintetizadores e bateria eletrônica.

O estilo começou com o Skinny Puppy e o KMFDM, que criaram as bases do que se chama de industrial rock. Nessas bandas existia e ainda existe a estética experimental da música, com misturas e ideias bem interessantes. Isso foi continuado em grupos como o Nine Inch Nails, que também flerta um pouco com o electro-industrial. Já o lado metal surgiu com o Ministry, que fez a mesma mistura, só que levando a um lado mais pesado e mesclando o metal com sequenciadores, samplers e vocais distorcidos.

É o estilo que sofreu mais com a popularização. Grupos como Marilyn Manson e Rob Zombie acabaram com o lado experimental do estilo, tornando-o um “rock pesado com sintetizadores” e fazendo com que outros grupos seguissem o mesmo caminho. E o metal industrial certamente sofreu mais com isso. Com a popularidade adquirida pelo Rammstein e outros grupos, essa divisão passou a ser apenas um “metal com elementos eletrônicos” e quase todas as bandas incorporam trance e techno em suas composições. Essa degeneração vai resultar na perda da identidade industrial e fazer com que qualquer banda de metal que tenha um sampler eletrônico de fundo seja chamada de industrial rock ou industrial metal.


É claro que existem muito mais correntes dentro desse estilo, com coisas como o aggrotech e até mesmo o industrial hip-hop. Contudo, a ideia desse artigo é dar uma visão mais geral do que se caracteriza como post-industrial e os seus desdobramentos.

2 comentários:

Anônimo disse...

Nossa cara muito bom mesmo adorei

Lucius disse...

Muito bom!!!

Postar um comentário

 
©2009 Musicground Podcast - Template Março modified by Snow White